segunda-feira, 26 de setembro de 2016

OPINIÃO


DO CONTROLE SOCIAL SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA EM SALVADOR. 

Por Freitas Madiba*


O Sistema Municipal de Cultura de Salvador SMC - (lei 8551/2014) chegou em um momento tardio, 11 anos após a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, porém extremamente necessário, tendo em vista a necessidade que nossa capital tem de implementar ao menos o “tripé” da política pública de Cultura composto pelo Plano Municipal de Cultura, o Fundo Municipal e o Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais - o SIIC. Infelizmente, 04 anos da atual gestão e estes dispositivos não foram criados.

O Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC), acaba de completar um ano de funcionamento, órgão de controle social que também compõe o SMC, composto por representantes do poder público e da sociedade civil. Vivemos momentos tensos no que diz respeito à garantia da nossa função de colegiado fiscalizador, deliberativo e sobretudo contribuinte da implementação das políticas públicas, função por vezes desrespeitada pela gestão atual. Passamos esse primeiro ano de funcionamento buscando condições materiais e estruturais para exercer nossa função, bem como legitimidade na relação com a Prefeitura que é responsável pela gestão da política pública de Cultura.

Nós, atores e atrizes sociais, estarmos “na ponta” de onde chegam as políticas públicas de cultura, somos capazes de construir diálogos com outros/as que não fazem parte do CMPC e assim exercer papel representativo na sugestão das políticas públicas que, de fato, atendam às demandas da comunidade cultural de Salvador, diminuindo a hegemonia do poder público municipal nas formulações destas políticas. A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador - SECULT, a Empresa Salvador Turismo (Saltur) e a Fundação Gregório de Mattos - FGM e demais órgãos da prefeitura, precisam ter o entendimento de que o CPMC é participante da sua estrutura organizativa e, portanto, precisa ser consultado na construção de suas ações executivas. Somente com essa ação integrada entre sociedade civil e poder público será possível estabelecer um processo democrático de participação na gestão das políticas e dos recursos públicos na área cultural. Infelizmente nosso diálogo foi concentrado na FGM, que, por sua vez, não é responsável pelos principais eventos culturais da cidade.

Isso evidencia a deficiência de uma gestão que não optou por criar uma secretaria exclusiva de Cultura. Lamentavelmente nesta gestão, vimos apenas sanção da Lei 8551/2014 - Lei do SMC e a abertura dos trabalhos do CMPC, naquilo que podemos chamar de políticas públicas, pois, as outras ações trataram de projetos e editais com irrisórios recursos diante da demanda cultural que a cidade exige. Não tivemos por parte do poder público iniciativas que garantissem uma maior autonomia de recursos e gestão de políticas que beneficiassem a cadeia produtiva da cultura na cidade. A Fundação Gregório de Mattos continuou refém de parcos recursos oriundos do Fundo Estadual de Cultura e que não foram na sua íntegra destinados a gastos exclusivos com a promoção cultural, ficando a mercê  da vontade do prefeito. Esta anomalia ocorre pelo fato da atual gestão optar pela não regulamentação do Fundo Municipal de Cultura, que garantiria a transferência direta dos recursos do Fundo Estadual de Cultura para o Fundo Municipal de Cultura, bem como de outras fontes e por sua vez, exclusividade no uso dos recursos.

Além da não regulamentação do Fundo Municipal de Cultura, que necessita apenas de uma Lei, de um CNPJ e de uma Conta Bancária, o Plano Municipal e o Sistema de Indicadores Culturais também tiveram o mesmo tratamento, vale lembrar que a Lei do SMC, a mesma que exige o funcionamento destes instrumentos, foi sancionada em 2014, início da gestão. Travamos uma enorme batalha dentro do CMPC e infelizmente não avançou: sobre todos os 03 instrumentos nos é dito que estão em trânsito dentro da burocracia municipal, estamos chegando ao final do governo, e constatamos mais uma vez, o não cumprimento da legislação.

A gestão do atual prefeito, optou por não criar a Secretaria Municipal de Cultura, atrelando a pauta de início à Secretaria de Educação e agora vinculada ao Turismo, sobrecarregando as funções da FGM e tratando elementos simbólicos, identitários, cidadãos e econômicos da nossa cultura como algo apenas para turista ver, repetindo a velha prática do “pão e circo”, que, lamentavelmente, tem sido a prática dos governos que estiverem à frente da nossa cidade até os dias de hoje.

Nesses 04 anos vivemos um período no qual os recursos para o fomento da Cultura foram em gigantescas cifras, dedicados a artistas para realização de shows nos períodos da alta estação no Turismo de Salvador. Se comparamos com os recursos investidos nos editais, vamos perceber que cada cachê pago a estes artistas equivalem a quase um edital anual.

Em 2013, a prefeitura recebeu 06 repasses do Fundo Estadual de Cultura, totalizando R$ 2.055.473,71, deste o edital “Arte em Toda Parte destinou R$ 1,2 milhões para 40 projetos culturais, porém o réveillon da cidade naquele ano custou R$ 2,2 milhões gastos em 05 dias. No ano de 2014 o mesmo edital recebeu R$ 2,4 milhões, porém, para cantar em um dos maiores réveillons do Brasil - Claudia Leitte recebeu R$ 700 mil, Pablo do Arrocha R$ 250 mil, Carlinhos Brown e Daniela Mercury cada um recebeu R$ 200 mil. Neste mesmo ano, a prefeitura recebeu R$ 2.178 milhões do Fundo Estadual de Cultura, acrescentando quase nada para a realização do edital “Arte Toda Parte”. No ano de 2015 o edital foi lançado no valor de R$ 3,6 milhões e o réveillon de Salvador custou R$ 7 milhões aos cofres públicos. Agora em 2016, ano eleitoral, não houve edição do edital “Arte Toda Parte”, porém já foi anunciado que Wesley Safadão receberá quase R$ 1 milhão como cachê para seu show no réveillon de Salvador, assim como Ivete Sangalo também receberá o mesmo valor, sem falar nas outras atrações. Vale ressaltar que os recursos repassados pelo Fundo Estadual de Cultura deste ano chegam a mais de R$ 1.2 milhões e não vão para o Fundo Municipal, pois não temos lei de regulamentação e nem conta bancária.

Infelizmente, o Conselho Municipal de Cultura não participa das escolhas e nem do valor de contratação para estes artistas, tampouco dos eventos realizado em nossa cidade, e também não recebemos informações sobre valores pagos. Todo o assunto é tratado via SALTUR e gabinete do Prefeito. Assim como a população, obtive esses valores via mídia e diário oficial do município.

Paralelo a este cenário, a gestão gastou bilhões construindo praças e calçadões que não ficam à disposição da gigantesca população que ganha dinheiro fazendo arte em Salvador, só como exemplo, até instrumentos musicais são tomados pela polícia a quem queira fazer luau na orla da Barra. Não existe uma legislação ou política que garantam o uso destes novos equipamentos para que os/as artistas da cidade possam expor sua arte e “passar o chapeuzinho”, ganhando de forma honesta seu sustento. Situação semelhante vivencia também toda população que tenta ganhar sua vida trabalhando nas praças públicas e no comércio informal desta cidade, basta observar como são tratados/as os/as vendedores/as ambulantes.

O que uma cidade como nossa amada Salvador precisa é de uma gestão que compreenda que nossa capital e seu povo sobrevive dos serviços, pois não temos pólo industrial que supra a demanda de gerar empregos suficientes para nossa população. Neste sentido, a cadeia produtiva da cultura cumpre papel crucial na geração de riquezas. Partindo desta compreensão, precisamos de uma gestão que a partir de 2017 construa novos e democráticos parâmetros ao exercício do controle e da participação popular, criando uma secretaria EXCLUSIVA de Cultura que dê início ao Sistema Municipal de Informações e Indicadores Culturais - o SIIC. Com este mapeamento poderemos consolidar os Sistemas Setoriais de Cultura, dando origem aos Fóruns Setoriais e assim criar as condições necessárias para a efetivação dos objetivos do Sistema Municipal de Cultura de Salvador (art. 2º e 3º da Lei 8551/2014), que é o Plano Municipal de Cultura de Salvador.

Neste sentido a responsabilidade da Câmara de Vereadores/as com parlamentares comprometidos/as em fiscalizar a aplicação destas políticas públicas é essencial, pois, não havendo parlamentares com a compreensão da importância desta pauta, o exercício de fiscalização e de controle social se torna mais difícil.

Os pontos que trago, são requisitos essenciais para a vitalidade da institucionalização e da organização de políticas públicas de Cultura e Inclusão Social em nossa cidade. Sem isso nosso SMC não exerce sua função por completo, tornando-o falho e ineficiente, o que exige de nós soteropolitanos e soteropolitanas que vivem da cultura refletir que cidade queremos nos próximos 04 anos.
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*ZUMBI SOMOS NÓS...
FREITAS MADIBA - Presidente do Conselho Municipal de Politica Cultural de Salvador
ESTUDANTE DE CIÊNCIAS SOCIAIS - FFCH/UFBA, EDUCADOR POPULAR
COORDENAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS - FÓRUM BAHIA
Skype: efreitasba


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